segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Resistência violenta

Em 2008 fui na festa do primeiro de maio em Kreuzberg. No início foi só curtição, muita música e animação. Mas quando o sol se punha, ouvi do carro de som a mesma mensagem em 4 línguas diferentes: alemão, inglês, francês e espanhol. O recado dado era finalizado com um número de telefone de um advogado, que deveria ser contatado caso houvesse prisão depois do confronto. Sorri assustada pro Frank e pedi pra ir embora. Os carros da polícia estavam desde cedo posicionados nas vias de acesso ao bairro, conhecido como ponto de grupos de esquerda e o primeiro de maio é dia de manifestos. Nesse mesmo dia, em dado momento, fiquei entusiasmada com o número de punks sentados no chão da praça: cabelos coloridos em pé, cuturnos desbotados e garrafas de cerveja na mão. Era uma cena digna de filme. Eu sacava a máquina fotográfica quando Frank me advertiu: "Não faça isso, você vai arrumar confusão!" Entendi o recado e guardei quietinha a câmera na bolsa: códigos de conduta berlinense, enfim.
A partir de então passei a ser mais observadora. No mesmo bairro, Kreuzberg, acompanhamos um amigo que procurava apartamento pra alugar. O prédio visitado era recém-construído na beira do canal num estilo arquitetônico duvidoso, tinha nas paredes externas várias marcas de tinta preta. É assim, também, que os adeptos dos grupos de resistência da esquerda se manifestam.

Mas também há atitudes mais radicais. No último sábado, no mesmo bairro, 6 carros foram incendiados. A fachada da embaixada da Dinamarca amanheceu manchada de tinta, provavelmente um protesto ligado ao encontro de Copenhagem. Eu vi a notícia sobre os carros incendiados na televisão do metrô e ainda procuravam os motivos dos ataques. Entretando, essa atitude é prática comum na cidade, sempre atribuída aos grupos de esquerda. Os números de 2009 indicam que 212 carros foram atacados e incendiados no decorrer do ano. Mas há uma escolha, não são quaisquer veículos incendiados. Há uma propensão para carros da Mercedes Benz, símbolo maior do status alemão. O amigo que visitava o tal prédio à procura de moradia, descartou imediatamente alugar um apartamento ali, depois que viu as marcas de protesto: ele tem um Jaguar, também alvo dos ataques. A maioria dos prédios residenciais de Berlin não possuem garagem, o que obriga os donos de carro a alugarem uma vaga em estacionamentos de shoppings ou na própria rua nos arredores do prédio, o que não dá total segurança. Não há carro sem seguro circulando nas ruas alemãs, é gasto obrigatório dos proprietários.


Ontem vimos duas meninas punks no metrô. E não pude deixar de notar no coturno de uma delas: a garota de cabelo colorido portava uma estrela de 3 pontas, símbolo dos carros da Mercedes pendurada no cadarço da bota esquerda, o que me fez concluir que eu tinha ali uma manifestante explícita. Eu pensei em pedir pra tirar uma foto e até ensaiei mentalmente a frase em alemão. Mas logo lembrei do código de conduta que aprendi no primeiro de maio: no pictures. Não satisfeita, saquei a máquina e fiz esta foto, escondida. Até por isso, não ficou tão visível, mas expressa minha vontade de registrar a cena e, como se pode imaginar, a adrenalina que essa atitude injetou no meu corpo  : )


Um comentário:

  1. Me emocionei, minha grande amiga, ao ler seus relatos...vc como sempre observadora e participante de movimentos da liberdade! Estou com saudades...que bom que agora vc tem um blog!
    Vou publicar alguns textos seus em meu blog, ok?
    Te gosto!
    bjs.

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