sexta-feira, 16 de abril de 2010

Os vizinhos movie makers e seu Time´s up

Berlin cedia um festival de cinema e o casal do apartamento debaixo me convidou para ver o filme deles. Um curta-metragem de 15 minutos. Eu já disse aqui no blog que Berlin é super cinema e que é coisa comum ver produções acontecendo  no meu cotidiano. Aliás, há uns 2 meses fui numa vernissage onde também faziam uma produção e acabei, sem querer, fazendo figuração. O prédio onde eu moro é cheio de artistas jovens e idealizadores. Nossa relação é estreita, mas não tão intima como seria possível numa vizinhança no Brasil. Lembro da Madalena em Maringá e da comunidade paranaense em São Paulo: nada se compara à cumplicidade do brasileiro. Mas enfim, fui ver o filme e foi o primeiro que assisti do casal Marie Catherine Theler e Jan Peters. Feito em super-8, Time´s up é uma autobiografia do casal, com comentários irônicos, cortes rápidos e imagens coloridas, que conta a história do recebimento da notícia da gravidez dela. É um filme sobre o tempo e o quanto ele é relativo. Hoje Tilda tem cerca de um ano e meio e no final eu disse pra eles que esse era o documento mais bonito e sincero que eles poderiam deixar pra garotinha. Imaginei ela vendo o filme aos 10 anos de idade. Muito legal mesmo. E as cenas mais interessantes foram feitas com uma fita métrica, a torre de TV de Berlin ao fundo e a barriga de Marie (como na foto de divulgação aqui ao lado). Durante toda a gravidez eles foram no mesmo lugar e mais ou menos na mesma hora do dia, coletar imagens, que depois foram coladas em ritmo acelereado e ficou genial, porque no fundo, aparecia também o prédio do governo da falecida República Democrática Alemã, que estava sendo demolido. Enquanto a barriga crescia, o prédio desaparecia...
Depois veio o documentário Lychener 64, que é um endereço em Prenzlauer Berg, região oriental da cidade que depois da queda do muro sofreu uma transformação absurda pela especulação imobiliária. O filme de Jacob Rühle, um jovem de 34 anos, é um esmero. Foram mais de 4 anos coletando depoimentos dos moradores desse endereço e das autoridades responsáveis pela "expulsão" dos moradores. A sala do Babylon estava lotada (era a primiere desse filme). Ele intercalou as imagens atuais, de 2005 a 2009, com as de programa de telivisão da DDR exaltando a reconstrução e reformas dos seus prédios, com o discurso comunista. Os moradores resistiram, uns mais outros menos. Alguns ficaram no prédio até o último momento, quando as paredes dos vizinhos já eram postas abaixo. Traços das vidas de cada um foram desenhados. A perda do sentido de comunidade desabou com as paredes do prédio. Investidores de Hamburgo e Leipizg interferiram na vida de uma coletividade cada vez mais rara no sistema capitalista. Um relato da História de Berlin, bem contada, com toques de ironia e sátira. E no final, mesclando imagens do resultado kitch-chic do prédio novo lançado em setembro de 2009 com o áudio do programa de TV da DDR, vê-se que o discurso de exaltação do novo, do moderno e eficiente, é comum aos dois sistemas. Aí lembrei de um comentário do Marshall Berman em seu livro "Tudo que é sólido desmancha no ar", título que é a apropriação de uma frase de Marx, relembrando a construção de residências destinadas à classe operária em meados do século XIX na Inglaterra. A dupla do Manifesto Comunista indignava-se com a fragilidade dessas construções, que não durariam 40 anos, segundo eles. Os moradores da Lychener 64 não se importavam de ter que sustentar os fornos à carvão no inverno. Nem de terem uma cozinha sem porta ou um banheiro coletivo. Tudo funcionava em comunhão. O novo, novíssimo é capaz de destruir a velha comunhão entre os seres humanos. E foi o que aconteceu em Prenzlauer Berg.   

Um comentário:

  1. Linda reflexão Bela. Deu até vontade de ver o filme da barriga, porque adoro as histórias que falam de vida. Quando a gente é criança, verdade, a gente adora ouvir as histórias de quando éramos "crianças pequenininhas". Referências? Pode ser...

    Sobre o filme da saída das pessoas... Anda acontecendo isso aqui no Rio, na desapropiação de áreas de risco, onde pessoas moraram durante uma vida inteira. Não estou colocando juízo de valor no fato delas serem retiradas, mas na história que deixam para trás, né? Isso ninguém conta e nem contaria - dessa forma aqui - em filme ou documantário. A gente (jornalistas) reporta e fica assim, solto no vento dos acontecimentos.

    Vou pegar emprestada uma frase que vc usou aqui, que serve direitinh para uma reflexão que não sai da minha cabeça.

    bj

    ResponderExcluir