sábado, 9 de janeiro de 2010

Liberal na Alemanha, feminista no Brasil

Foi exatamente assim que fui "acusada." As mulheres da Alemanha conquistaram o direito de abortar nos anos 1970 e essa foi uma conquista das feministas também. Eu não sou favorável ao aborto (nunca fiz e não faria), mas penso que qualquer mulher que decida realizar um, tenha boas condições para fazer isso, com segurança e dignidade. Aliás, com segurança, só faz aborto quem tem grana no Brasil. Não considerar isso é hipocrisia, é querer tampar o sol com a peneira, como se diz. E o pior, incrementa o abismo social. Lembro de uma declaração do Sérgio Cabral, governador do Rio, que defendeu o aborto numa entrevista. Tudo bem que ele fez essa declaração num contexto infeliz, já que se falava de favela e criminalidade. Foi chamado de fascista. Mas pra mim, o resultado é bem claro: uma grávida pobre, quase miserável, que não deseja o filho e não tem condições de pagar para "tirar" na clínica de Botafogo ou da Tijuca, ou vai no "açogueiro" da favela, ou vai parir descontente. E as consequências, serão, ou uma infecção que poderia levá-la à morte, ou um filho indesejado, mal criado e talvez, molde de bandido.

Então, sou feminista no Brasil e liberal na Alemanha. Aqui, o aborto foi legalizado no início dos anos 1970. No ano retrasado a sociedade brasileira debatia o aumento da licença maternidade de 4 para 6 meses, sendo os 2, facultativos. Eu acompanhei pelo rádio e me questionava: porque não dar os outros 2 meses ao pai? Eis que um dia desses, conversando com uma mãe brasileira que se estabeleceu aqui, descobri: no total, o casal tem 14 meses de licença. Claro que os primeiros são da mãe, por conta da amamentação. Os outros meses, devem ser negociados entre os dois: simples, não? Enquanto isso, no meu Brasil varonil, o pai trabalhador tem 5 dias de licença. E só. O resto, ou seja os 4 ou 6 meses, é com a mãe. Mais uma vez uma lei é criada e contribui para a perpetuação de uma condição de machismo, ao meu ver. Claro que depois o casal trabalhador terá que criar um jeito próprio para que os dois trabalhem e se dediquem ao filho. Mas fico pensando nos 14 meses que o casal alemão tem direito. Depois disso, as creches e escolinhas são de qualidade e há participação efetiva dos pais no processo. A escola é um lugar de sociabilidade, enfim. Além disso, toda criança recebe uma espécie de bolsa família, mensal. E são TODAS as crianças, não apenas as de baixa condição social, como ocorre no Brasil. Não estou certa do valor, mas gira em torno de 300 euros.
Aqui, existe a união civil gay e já li discursos revoltantes em comunidades virtuais de gente moralista, geralmente religiosos tapados, se posicionando contra, falando mal do Lula por isso. Fico entristecida com tamanho discenso. Por essas e outras devo concordar com meu acusador: sou liberal na Alemanha, e feminista no Brasil. Muitas conquistas sociais foram conquistas históricas das feministas alemãs. Observando a sociedade da Alemanha, ser feminista hoje aqui, parece não ter muita razão de ser. Enquanto isso, no Brasil...

6 comentários:

  1. Oi, Isabela! Dei uma olhada rápida no seu blog, e gostei muito. Vida longa ao que vc escreve! É sempre muito interessante conhecer os costumes de um outro país, de uma outra cultura. Mas não encontrei um post mais específico dizendo o que vc faz em Berlin. É pesquisa pra pós-doc? Vc vai ficar aí por muito tempo?
    Bom, prazer em te conhecer!

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  2. Achei interessante o texto,só faço um reparo:
    Há razão para ser feminista em todo e qualquer lugar,pois ainda não há um só lugar na terra onde as mulheres sejam tratadas iguais aos homens.

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  3. Obrigada Raiza, concordo com vc... mas é que para uma brasileira, observar como as coisas säo na Alemanha, a primeira impressäo é essa mesmo, da falta de razäo de ser feminista por lá. Entretanto, vc está certíssima!

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  4. Ai, que texto lindo! Me faz ter mais certeza de que estamos trilhando um caminho necessário aqui no Brasil, que certamente renderá (já rende) frutos belíssimos! União civil homossexual.. ^^ estudo Direito e meus olhos brilham com isso! Enfim, ótimo post, boa sorte no concurso da LOLA!

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  5. Oi, Isabela,
    Nao posso concordar com vc. O direito de abortar e o casamento entre pessoas do mesmo sexo por si soh nao fazem uma sociedade igualitária.
    Sou brasileira, mãe, e moro na Alemanha ha uma década e percebi que a sociedade alemã eh muito machista, sim. Principalmente quando a mulher opta por ter um filho.
    A licença maternidade aqui permite q a mae (ou o pai) fiquem ateh 3 anos em casa para cuidar de seus filhos. A esmagadora maioria q acaba ficando em casa eh... a mae, claro. Depois de 3 anos fora do mercado de trabalho, como vc acha q eh recebida pelo seu empregador? E se vc resolver ter um outro filho?
    Eh claro q vc pode optar por voltar ao trabalho logo, mas o número de creches é insuficiente - e muitas vezes fecham as 17:00h.
    Além disso, muitas empresas costumam ter reservas ao contratar mães. Sabe como eh, filhos ficam doentes e tal, dificilmente elas podem fazer hora extra, etc.
    Soh para fechar: a diferença salarial entre homens e mulheres aqui na Alemanha ainda eh enorme. Sem contar q ve-se muito poucas mulheres em cargo de gerencia. Tanto eh assim que eles estao pensando em estabelecer cotas para mulheres em cargo de gerencia. (!)
    Vc acha realmente que as mulheres por aqui jah tem os mesmos direitos que os homens??

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  6. Oi Indira, obrigada por comentar aqui: adorei! Certamente sua experiência em terras germänicas faz sua opiniäo ser muito mais autêntica e real. Mas continuo achando que esses dois itens: direito ao aborto e o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, proporciona mais igualdade sim. Outro fator é esse lance da licensa maternidade: penso que só de existir tal lei, já torna a coisa progressista. Isso näo quer dizer que na hora da decisäo, os pais fiquem com os filhos ao invés das mães, como vc disse: mas isso é fator do âmbito privado e reflete o machismo, porém a lei, facultativa, dá sim opção de revezamento. Quanto as creches, minha opinião veio de mera observação. Vc como mãe na Alemanha certamente tem a razão. Quanto a diferença salarial, é um fenômeno mundial mesmo.
    Um abraço e valeu pela visita e comentário...

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