domingo, 17 de janeiro de 2010

Violência

Quando se trata de Berlin, o bairro de Neukölln é tido com o primeiro na escala de violência. Por isso, como moradora do bairro, posso ser um testemunho. Por exemplo, a maioria dos beneficiários do Hartz VI, o maior programa social da Alemanha, mora em Neukölln e Berlin é a cidade que mais tem assistenciados. Eu notei que a idéia de criminalidade e violência muda de figura se valermos de comparação com o Brasil. Meses atrás dois presidiários da região de Bremen fugiram da cadeia com a conivência de um carcereiro. Achei incrível a verdadeira “caça” aos fugitivos. Fecharam estradas com blitz policiais, divulgaram maciçamente as fotos deles na mídia. A princípio achei sensacionalismo, mas percebi que isso é visto com tamanha seriedade: se eles estavam presos, é por motivo suficientemente importante para que fora da prisão sejam vistos como um perigo para a sociedade. A máxima de que o crime não compensa faz muito sentido na Alemanha, onde a ajuda aos desfavorecidos é um compromisso social claro e verdadeiramente uma prática do poder público. E isso não é visto como assistencialismo barato ou preventivo: é uma obrigação do Estado e um direito assegurado aos cidadãos. E com esse mesmo sentido de cidadania que um alemão avistou um dos foragidos de bicicleta numa estrada rural e mandou uma mensagem via celular pra polícia, que nos minutos seguintes o prenderam. Não preciso dizer que o carcereiro cúmplice virou presidiário.
Uns dias atrás voltando da piscina pouco antes das 10 da noite, acompanhei o atendimento de um homem oriental que havia sido atropelado. Vale lembrar que o bairro tem uma enorme população de imigrantes. Já estavam a postos 2 carros da polícia e uma ambulância. Um comerciante havia colocado o homem em cima de uma mesa e os médios fizeram os primeiros atendimentos ali. Em uma circunstância dessa no Brasil certamente eu passaria reto. Mas ali, como estrangeira (e agora como blogueira) eu fiz questão de parar e observar. Um homem que fazia o mesmo papel que eu, me mostrou o carro com o pará-brisa todo trincado e disse que o acidentado foi lançado a dois metros de altura.
Na coluna policial do jornal Berliner Zeitung publicado dois dias depois do episódio, havia uma notinha sobre o ocorrido. O motorista estava alcolizado. Aí fiquei pensando sobre o fato: uma ocorrência de trânsito, tão corriqueira pros parâmetros brasileiros, ter ido parar no jornal. Foi um relato sem opinião ou sensacionalismo, apenas constatando uma cena ocorrida num bairro violento. Então, diante disso, continuo relativizando o conceito de violência...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Leitura e informação



Não tenho dúvidas de que a Alemanha é um país de leitores, muitos leitores. Basta circular no metrô e perceber a companhia da maioria dos passageiros: livros, jornais e revistas. Mesmo com o vagão cheio, já observei gente em pé, deliciando-se com a leitura. Uma outra coisa que eu observei, é que os livros não mudam de preço de uma livraria pra outra, são taxados com o mesmo valor e não têm preços exorbitantes. Existe, claro, uma literatura de massa, vamos dizer assim, já que muitos livros são publicados em papel jornal e são como as nossas edições de bolso, menores e compactas. Mas tem as edições mais sofisticadas, como o último livro do Machado de Assis, "Memorial de Aires", que comprei de presente no ano passado e a edição é espetacular. Não poderia ser diferente, já que se trata de um clássico da nossa literatura. Em alemão se chama "Tagebuch des Abschieds" e foi traduzido pelo professor Berthold Zilly do LAI, instituto em que estou vinculada aqui em Berlin.


Só pra se ter uma idéia, circulam diariamente por volta de 200 jornais, regionais ou nacionais, sem contar as publicações estrangeiras, da Turquia principalmente. Muitos debates inciados pela imprensa escrita vão parar na televisão, e com mais frequência nos canais públicos. A Alemanha é a terra natal de Gutenberg, tido como o inventor do sistema de imprensa no século XV, talvez esse fato contribua pra explicar a existência em profussão de leitores aqui.
Mas de qualquer modo, como tenho estudado o século XIX, percebo as disparidades em relação ao Brasil, já que apenas com a transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, que minha terra natal passou a ter efetivamente um mercado editorial. Enquanto que aqui na Alemanha, foi através da imprensa que as tendências políticas da oposição (também nacionalista) expressaram idéias contra os governos prussiano, austríaco e também francês, principalemtne antes da queda de Napoleão. Até por isso os conservadores da Confederação Germânica sancionaram leis de censura à imprensa (em 1819 e 1832), o que não impediu a mobilização das classes médias, que aderiram aos paupérrimos compesinato e nascente proletariado na Revolução de 1848.

E nesse contexto apareceu o primeiro jornal "feminista" na Alemanha. Coloco o termo com cuidado, sob a pena de cometer um anacronismo, já que é um termo inexistente na época. Falava-se em emancipação feminina, enfim. O germe do que veio a ser o feminismo em fins do século XIX. Fato é que o "Frauen Zeitung" (Jornal das mulheres) foi editado em Colônia por Mathilde Franziska Anneke, companheira de um revolucionário preso. Foram publicados apenas 2 números antes de ser censurado e a responsável ser mandada para os EUA como exilada política.
De modo geral a participação feminina na imprensa e na literatura alemã pode servir como "termômetro." E a Mathilde Anneke está longe de ser um caso isolado. Muitas mulheres alemãs já experimentavam a escrita como atividade profissional no início do século XIX. E isso é reflexo do acesso à educação, que tem como consequência o interesse pela leitura, o que, em uma saidinha de metrô, é fato totalmente perceptível em Berlin.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Hartz-VI ou o socialismo alemão

A imprensa alemã tem noticiado por esses dias os resultados benéficos e maléficos do "Hartz VI", como ficaram conhecidas as ações governamentais no mercado de trabalho. As reformas começaram em 2002 e ganharam o nome do responsável pelo programa, Peter Hartz. O número 4 sugere as etapas e as reformas que o programa foi sofrendo ao longo do tempo. Eu não sou capaz de escrever detalhes sobre o programa, mas posso dizer da importância desse tipo de ação, já que funciona como ajuda social.

Numa conversa com brasileiras, falávamos descontraidamente das diferenças entre a Alemanha e o Brasil. Foi quando ouvi de uma das mulheres: "A Alemanha é um país socialista." Certamente, tal afirmativa veio de uma pessoa que desconhece conceitos, no mínimo. E não se tratava de alguém pouco instruído. Minha reação, foi, sem rodeios: "Mas porque você acha isso?" Daí em diante a conversa seguiu na pontuação das conquistas sociais alemãs. E o Hartz VI pode ser visto como o grande "culpado" por esste tal "socialismo" alemão.
As pessoas desempregadas são cadastradas nos chamados Job Center's e têm auxílio do governo para o pagamento de suas contas, além das despezas para a alimentação; em alguns casos, o governo paga TODAS as contas, ou seja, sustenta o cidadão. A ajuda é feita também com o intuito de conseguir trabalho, claro. Por outro lado, há acordos entre esses escritórios públicos e as empresas empregadoras. Em alguns casos, quando se consegue o emprego, parte do salário da pessoa é pago pelo Job Center. Conheço um caso em que o cara ficou 7 meses desempregado e, cadastrado no Job Center, ele foi sustentado pelo governo, literalmente. Mas disse que enfrentar a burocracia é coisa muito chata e desgastante. Ficar sem trabalho, pior ainda. No debate no canal de TV público ontem, o programa trouxe dois casos: num deles o Job Center financiou a abertura de uma loja pra mulher, que hoje é empregadora, ou seja, é um caso de sucesso. A outra mulher, de 32 anos, têm 4 filhos e depende totalmente do Estado pra sobreviver, recebendo cerca de 1.600 euros por mês do governo (Nessa hora eu penso no nosso Bolsa Família, tão difamado, não?). A tal só consegue empregos temporários, disse que o fato de ter 4 filhos atrapalha muito, pois os patrões reconhecem na sua maternidade a possibilidade de ter a funcionária "roubada" do emprego, por conta de possíveis doenças dos filhos (um problema de gênero que afeta todas as mulheres do mundo...)
Enfim, o desempregado é arcado pelo Estado e certamente muitos cidadãos que recebem os benefícios, se acomodam e se desestimulam, abandonando o desejo de trabalhar. Mas a mãe de 32 anos dizia: "Eu só quero trabalhar..."
Após a segunda guerra mundial, o chamado Estado de bem-estar social foi, também, uma resposta dos países da Europa ocidental diante da "ameaça vermelha". Situação aliás, que dividiu literalmente a Alemanha em dois países, até 1989. Acredito que pelo fato do comunismo ter "morado ao lado" por tanto tempo, as conquistas sociais aqui sejam maiores. Há quem discorde de mim, enfim. E é diante de ações adotadas pelo governo, como o Hartz VI, carregadas de certo "protecionismo" social, que ouvir de um brasileiro que a Alemanha é um país socialista, não fica tão absurdo assim.
E como dizem que a propaganda é a alma do negócio, um vendedor de Döner valeu-se do famoso termo Hartz VI para anunciar sua oferta de lanche barato.

Imagem retirada daqui.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Movimento do corpo e lavagem da alma

O prédio foi construído entre 1912 e 1914, inspirado internamente na arquitetura romana. A Stadtbad Neukölln é uma das 31 piscinas ou clubes de Berlin e funciona apenas no tempo do frio, entre setembro e abril. A opção para os moradores do bairro no resto do ano é a Columbia, um verdadeiro parque aquático, com trampolim e tobogã, mas que fica fechado no inverno, obviamente. Apesar de públicas, paga-se uma taxa de acesso para frequentar essas piscinas. Normalmente são 4 euros, mas em algumas, depois das 8 da noite, a entrada custa 2,50. Há também opção de sauna, que custa 14 euros na Stadbad Neukölln.

São 2 piscinas disponíveis e também têm salas com equipamentos de bronzeamento artificial. Durante 4 horas por semana, aos sábados, pratica-se o FKK, Freikörperkultur, algo como "cultura do corpo livre", o que seria o nosso naturismo. Nas praias também há placas indicando as áreas de naturismo. Normalmente as pessoas fazem sauna nuas, o que não é obrigatório.
Ir nadar pelos menos 3 vezes por semana é sublime pra mim. Como meu trabalho é de leitura e escrita, solitário e sedentário, as horas de maiô, óculos, protetor de ouvido e touca, são essenciais. E o movimento é incrivelmente delicioso: andar 3 quadras sob a neve caminhando com cuidado pra não escorregar, chegar no aconchego de um prédio quase centenário pra movimentar o esqueleto com braçadas na água sob temperatura de 28 graus. No último sábado foi legal, pois fiquei o dia todo em casa, de pijama trabalhando no computador. Quando chegou 8 da noite, fiz minha malinha de nadar, botei, por cima do pijama o casação de pele de carneiro que vai até os pés e fui, feliz e satisfeita pra piscina. No vestiário, coloca-se uma moeda de um euro no armário (que retorna pro usuário depois). Nele, tem um cabide especial, onde se coloca sapatos e roupas íntimas. Cabines individuais,  logo em frente ao armário e com espelho, são usadas pra se vestir, de modo que nínguém me viu de pijamas :)
A sala dos chuveiros é de uso coletivo e cada chuveiro libera água por um tempo específico, exigindo que vez ou outra a pessoa aperte o botão novamente. Racionalização do uso da água, claro: estou na Alemanha! Na mesma ala dos armários e cabines, têm máquinas de secar os cabelos: coloca-se uma moeda de 5 centavos e as rajadas de vento quente secam as madeixas por, talvez, um minuto e meio. Eu nunca precisei repetir a operação, mas a toca de lã e o gorro do casaco têm garantido que eu não pegue um resfriado.
Existe um prazer físico de movimentar o corpo quando o clima exige reclusão e encolhimento. Mas sinto um prazer maior por estar nadando numa piscina tão antiga. Cada vez que sento nos degraus de pedra, ou que observo os leões marinho soltando água pela boca, sou tocada por uma sensação indescritível. Lugar que me proporciona o movimento do corpo, mas também que me lava a alma: sou, assim, uma historiadora realizada =)



segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O fenômeno Daisy por aqui

Começa a faltar sal nos supermercados, já que ele é usado para dissolver a neve mais rapidamente. Na minha sacada a neve já atinge 50 centímetros. Dirigir é perigoso, principalmente quando não se tem equipamento especial nas rodas. O final de semana foi de neve constante e sair de casa exigiu disposição e coragem. Na televisão anuncia-se o rigor do inverno no norte europeu e nos EUA. A previsão para a próximas semanas aqui é de 22 negativos. Também fala-se em voos concelados e acidentes com engavetamento de carros nas estradas alemãs. Ouvi dizer que há 11 anos o inverno não era tão rigoroso em Berlin. Andar na neve é como andar nas areias das praias cariocas: pisa-se fundo e se sente bem as batatas das pernas. O bom é que não têm tantos carros nas ruas. Mesmo com o frio de Daisy, como tem sido chamado o fenômeno desse inverno na Europa, é tempo de se divertir. Ontem centenas de pessoas se reuniram através do facebook no Teufelberg, um dos pontos mais altos da cidade para brincarem de guerrinha de bola de neve. As praças ficam cheias (claro, não tão cheias como no verão) de pais e filhos com seus trenós de madeira, usados como transporte, mas principalmente como diversão, para descer os morros ou as escadarias, cujos degraus foram encobertos de neve. Paisagens bonitas, diferentes. Só sinto mesmo saudade do sol e do colorido que seus raios trazem. 


sábado, 9 de janeiro de 2010

Liberal na Alemanha, feminista no Brasil

Foi exatamente assim que fui "acusada." As mulheres da Alemanha conquistaram o direito de abortar nos anos 1970 e essa foi uma conquista das feministas também. Eu não sou favorável ao aborto (nunca fiz e não faria), mas penso que qualquer mulher que decida realizar um, tenha boas condições para fazer isso, com segurança e dignidade. Aliás, com segurança, só faz aborto quem tem grana no Brasil. Não considerar isso é hipocrisia, é querer tampar o sol com a peneira, como se diz. E o pior, incrementa o abismo social. Lembro de uma declaração do Sérgio Cabral, governador do Rio, que defendeu o aborto numa entrevista. Tudo bem que ele fez essa declaração num contexto infeliz, já que se falava de favela e criminalidade. Foi chamado de fascista. Mas pra mim, o resultado é bem claro: uma grávida pobre, quase miserável, que não deseja o filho e não tem condições de pagar para "tirar" na clínica de Botafogo ou da Tijuca, ou vai no "açogueiro" da favela, ou vai parir descontente. E as consequências, serão, ou uma infecção que poderia levá-la à morte, ou um filho indesejado, mal criado e talvez, molde de bandido.

Então, sou feminista no Brasil e liberal na Alemanha. Aqui, o aborto foi legalizado no início dos anos 1970. No ano retrasado a sociedade brasileira debatia o aumento da licença maternidade de 4 para 6 meses, sendo os 2, facultativos. Eu acompanhei pelo rádio e me questionava: porque não dar os outros 2 meses ao pai? Eis que um dia desses, conversando com uma mãe brasileira que se estabeleceu aqui, descobri: no total, o casal tem 14 meses de licença. Claro que os primeiros são da mãe, por conta da amamentação. Os outros meses, devem ser negociados entre os dois: simples, não? Enquanto isso, no meu Brasil varonil, o pai trabalhador tem 5 dias de licença. E só. O resto, ou seja os 4 ou 6 meses, é com a mãe. Mais uma vez uma lei é criada e contribui para a perpetuação de uma condição de machismo, ao meu ver. Claro que depois o casal trabalhador terá que criar um jeito próprio para que os dois trabalhem e se dediquem ao filho. Mas fico pensando nos 14 meses que o casal alemão tem direito. Depois disso, as creches e escolinhas são de qualidade e há participação efetiva dos pais no processo. A escola é um lugar de sociabilidade, enfim. Além disso, toda criança recebe uma espécie de bolsa família, mensal. E são TODAS as crianças, não apenas as de baixa condição social, como ocorre no Brasil. Não estou certa do valor, mas gira em torno de 300 euros.
Aqui, existe a união civil gay e já li discursos revoltantes em comunidades virtuais de gente moralista, geralmente religiosos tapados, se posicionando contra, falando mal do Lula por isso. Fico entristecida com tamanho discenso. Por essas e outras devo concordar com meu acusador: sou liberal na Alemanha, e feminista no Brasil. Muitas conquistas sociais foram conquistas históricas das feministas alemãs. Observando a sociedade da Alemanha, ser feminista hoje aqui, parece não ter muita razão de ser. Enquanto isso, no Brasil...

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Brasilien in Deutschland

Um dos meus poucos prazeres nesse inverno tem sido a natação. Vou pelo menos 3 vezes por semana na piscina da cidade em Neukölln, um prédio construído entre 1912 e 1914, lindo. Depois das 8 da noite paga-se EU 2,50, mais 5 centavos pra secar o cabelo na máquina. Antes de descer as escadinhas da piscina notei que dos 5 chinelos estacionados ali, 4 era havaianas e o meu era o único sem a bandeirinha do Brasil na tira lateral. De calçado de pobre no passado à sinônimo de brasilidade atualmente. Fui na loja de depilação essa semana, aliás, a Amazon waxing, cuja dona é de Manaus, tem  um catálogo da Havaianas e eu não imaginava a quantidade de produtos que eles desenvolveram. A vitrine é toda enfeitada com motivos indigenas e no "cardápio" um dos modelos de depilação de virilha e adjacências oferecido, se chama Brazilian. E isso não é por conta da loja ser de uma brasileira que usa cera do Brasil. Eu já havia notado que o termo é constante quando se trata de depilação total com cera quente.
O Brasil na Alemanha, entre o chinelo e o "corte" com cera quente...

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Lula em Berlin e o trem

Há exatamente um mês atrás o presidente Lula visitava a Alemanha. Foi também quando decidir começar a escrever no blog. Eu vi fotos da visita nos jornais e a notícia no noticiário noturno. Na entrevista coletiva ao lado de Angela Merkel notei o presidente um pouco nervoso e a chanceler alemã um pouco desconcertada, mas nada do que foi dito na matéria da TV deixou claro o que o Bom Dia Brasil da televisão brasileira chamou se 'saia justa'. Soube por aqui o porquê do desconforto e foi bom ver o ex-operário dando 'lição de moral' quando o assunto é arsenal nuclear. Na foto do jornalista Flávio Aguiar aparecem, além do presidente, da chefe da casa civil e do embaixador brasileiro na Alemanha, Guido Mantega, Henrique Meireles e Marco Aurélio Garcia. Deduzi que a visita não foi mera formalidade.


O governo alemão fretou um trem bala especialmente para a delegação brasileira e jornalistas, de Berlin a Hamburgo. E não foi por acaso. O intuito era iniciar as negociações sobre a compra e transferência de tecnologia ferroviária para o Brasil. A princípio um trem bala que ligue Rio-São Paulo- Campinas. E nesse ponto, tenho algumas considerações. Em certa ocasião, explicitei numa conversa, a quase inexistência de transporte de passageiros via trens no Brasil. A reação foi de espanto. A partir de então, todas as vezes que tenho a oportunidade de conversar com alguém que nunca foi ao Brasil, toco nesse assunto. Quase sempre meus interlocutores não acreditam. E é mesmo inacreditável, se pensarmos na dimensão do país. Posso dizer que é definitivamente vergonhoso a falta de transporte ferroviário digno no Brasil. E só me dei conta disso diante das reações dos alemães, afinal, aqui, a coisa funciona. As linhas ferroviárias cortam o país de ponta a ponta, passando pelos vilarejos, transportando gente e mercadorias. Em 1994 foi criada da Deutsch Bahn, empresa pública mas que concede trechos ao capital privado. A estação ferroviária de Berlin é nova, arejada, luxuosa e recentemte foi inaugurado um trecho do metrô até lá. Observar os horários de saída e chegada dos trens, nas telas gigantes da estação, é interessante. Por exemplo: 12:46, horários picadinhos que diante da pontualidade alemã, funcionam. Quando porventura há atraso, os autos-falantes se desculpam e os passageiros são imediatamente informados sobre o problema. É um transporte digno, enfim.
O primeiro trecho de linha férrea foi inaugurado em 1835, ligando Nürenberg à Fürth, ainda sob o Império Prussiano. No Brasil, cerca de 2 décadas depois, foi inaugurado o primeiro trecho, ligando a capital imperial à Petrópolis. A diferença de tempo é pouca, mesmo em se tratando do século XIX. Porém, hoje, há um verdadeiro abismo quando se compara os dois países. E isso pode ser explicado pela História. Minha mãe tem lembranças de viagens que ela fazia de trem nas férias: seu pai era funcionário da Cia Paulista de Estradas de Ferro, então a família toda viajava de trem pelo interior de São Paulo. Esse é um passado recente, enfim. Mas a falta de investimentos e modernização, o sucateamento e o lobby da indústria automobilística, principalmente a partir do governo JK, são fatores explicativos. Assisti um filme chamado Oiticica, que me sensibilizou tanto, pra não dizer que me desapontou (o youtube é mesmo incrível). Mas como eu gosto de ser otimista, penso que nunca é tarde para se iniciar investimentos pesados no transporte ferroviário no Brasil.
O braço direito do Lula foi quem apresentou a proposta no meio da viagem de trem bala, há um mês atrás. Deixo aqui o vídeo da entrevista: http://www.youtube.com/user/dilmarousseff#p/a/u/2/1k7N_GlaLbA

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A Alemanha e os índices de suicídio

No início de novembro passado um dos goleiros da seleção de futebol, Robert Enke chocou o país ao se jogar em frente a um trem nas proximidades de Hanover. Programas de rádio e televisão trataram do assunto, trazendo em debate o tema do suicído na Alemanha. Revistas semanais e jornais publicaram sobre o assunto, especulando os motivos e incomodando a família. Jovem bem sucedido, querido pelos colegas, escondeu uma depressão iniciada desde a morte da filha bebê há cerca de 2 anos. Era caridoso e admirado pelos torcedores. E a pergunta que a Alemanha toda se fez: porque?

O tema é visto como problema quando se observa os números. Só em Berlin foram 347 suicídios em 2008. Números de 2004 indicaram um suicídio a cada 47 minutos na Alemanha. Anualmente são cerca de 11 mil. Eu percebi a gravidade do problema quando observei uma chamada na televisão do metrô, que oferece apenas imagens, não som. Era uma animação em que um jovem anda cabisbaixo na rua, triste e desestimulado, com imagens em branco e preto. Já em casa, pensativo, ele vê pela janela um telefone de ajuda estampado num outdoor. Ele liga e quando encontra alguém do outro lado da linha disposto a ajudá-lo, as imagens do desenho ficam coloridas e ele sorri. Então é divulgado um telefone, que pretende ajudar pessoas com pensamentos suicídas. Quando se decide divulgar assim, num meio de massa, um telefone de ajuda, é sinal que as estatísticas preocupam. Parece ser um problema de saúde pública.


Achei interessante outro termo: "Freitod", algo como morte livre, ou liberdade de morrer. Há também o "selbstmord", algo como matar-se.
Eu sempre ouvi dizer que o índice de suicídios em países frios é mais alto e essa temporada de inverno em Berlin, tem me ajudado a entender in loco como a coisa funciona. Primeira constatação: um céu cinza, sem sol, onde o dia vai embora antes das 5 da tarde, deprime, enruga a vida, numa metáfora de mal gosto. Agora entendo a importância do sol. Deixo uma imagem da minha janela, feita ao meio dia.




domingo, 3 de janeiro de 2010

Um prefeito homossexual

Hoje quero escrever sobre uma particularidade de Berlin. A liberdade que as pessoas têm de expor sua opção sexual, sem receio. É claro que isso é um aspecto das grandes cidades, São Paulo não é diferente, por exemplo. Mas Berlin é especial por um detalhe que faz toda a diferença: o prefeito, aqui chamado de Burgermeister (algo como mestre da cidade) é homossexual. Klaus Wowereit é do Partido social democrata (SPD) e elegeu-se pela primeira vez em 2001, sendo reeleito em 2006. Foi muito legal notar que na semana da parada gay, a praça da prefeitura de Neukölln amanheceu repleta de bandeiras do arco-íris.


 O prefeito gay é popularmente conhecido com Wowi. Ás vésperas da eleição de 2001, o então candidato proferiu a frase expressando seu orgulho gay: "Ich bin schwul und das ist auch gut so!" (algo como "Eu sou gay e isso é também bom!")
Para não ficar nesse único exemplo, posso dizer que a segunda personalidade política mais importante da Alemanha, também é gay. Guido Westerwelle é ministro das relações exteriores e segundo chanceler da Alemanha desde outubro último. Notei que a capa de um tablóide após as eleições de 2009, trazia a foto dele na capa, ao lado do companheiro e a frase: "Esse homem é que me dá força!" Sua homosexualidade não foi alvo de exploração política ou coisa assim, como aconteceu com Wowi. Talvez o intervalo de 8 anos entre a eleição de um e outro, tenha feito alguma diferença, afinal, a opção sexual de um candidato não deve nunca ser assunto que faça diferença.
Berlin é uma cidade-estado (assim como Bremen e Hamburgo, cujo prefeito também é homosexual) e aqui o casamento civil gay é legítimo. Eu conheço diversos casais. Vejo constantemente pessoas do mesmo sexo de mãos dadas ou se beijando em locais públicos. Uma outra evidência da liberdade (e de certo modo tolerância) de se assumir o que se é, eu observei em alguns programas de TV. Em um deles, em formato tipo show do milhão, em que os convidados são rapidamente entrevistados antes de iniciar a bateria de perguntas, uma mulher de meia idade apontou sua companheira no auditório, que torceu o tempo todo. Num outro, filmavam um piquenique em que um casal de lésbicas com as filhas, trocavam carinhos de cumplicidade sob a mira das câmeras. Eu penso que tudo isso reflete o quando a sociedade alemã está anos-luz adiantada em termos de respeito às liberdades individuais, em especial à opção sexual, quando se compara com a brasileira. Quando autores de novela sugerem relacionamentos homosexuais em suas tramas, os conservadores de plantão se alarmam. Assuntos como esse, são tabu no Brasil, assim como o aborto, que foi legalizado aqui no início dos anos 1970.
Deixo uma foto de um cartaz divulgando uma festa de Natal gay em Berlin.


sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Noitada de fogos e neve

Depois de jantar nos vizinhos seguimos pra festa fechada num bar de Neukölln. Desde o fim da tarde a vizinhança libanesa fazia a festa com fogos de artifício. Eu acho bonito e quando o espetáculo é oficial, como o de Copacabana, até me emociono. Mas nunca me imaginei gastando um centavo, quanto mais de euro, comprando fogos de artifício. Cada um tem um gosto e esse, definitivamente não é o meu. Nevava muito no caminho e andamos um pouco antes de pegarmos um táxi. No bar intimista encontramos Heinz e seus amigos. Foi divertido. Dançamos e a meia noite todos pegaram seus casacos e fomos pra rua. Eu levei um frisante do Reno, que ficou na calçada atolado na neve esfriando em temperatura ambiente. Brindamos 2010 sob neve e fogos de artifício. Alguns minutos depois cheiro de queimado e a chegada de 2 carros de bombeiros: tinha um foco de incêndio no telhado do prédio vizinho. As pessoas lançam os fogos sem pensar nas consequências da sua pontaria e a situação toda era no mínimo contraditória: fogo sob a neve. Voltamos pra casa à pé, com os passos atolados na neve. Depois de alguns tragos da água ardente espanhola das ilhas Canárias, não foi tão difícil assim. No caminho constatei que seres humanos são seres humanos em qualquer lugar do mundo: garrafas vazias e os restos da festa perturbavam a paisagem de inverno.