quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Silvester em Berlin

Reveillon na Alemanha se chama Silvester, por conta do dia 31, dia do santo católico, que foi  o papa responsável pelo fim da perseguição aos cristãos durante o Império Romano. No Brasil o termo é conhecido por conta da famosa maratona de São Paulo. Aqui é sinônimo de ano novo, ou melhor, de último dia do ano, o que dá no mesmo. Apesar da diferença no nome, a prática de soltar rojões e fogos de artifício não é diferente do Brasil. Observei ontem no supermercado: fui tranquila, sem pressa então tive tempo de ver crianças afoitas na gôndola dos fogos a espera do pai para efetivar a compra; o trabalho do funcionário, que trouxe 3 caixas enquanto eu estava ali. As embalagens são muito bem elaboradas, coloridas, bem diferentes dos produtos toscos cor de papelão que existem no Brasil. Muitos com a etiqueta bem vizível de "Made in Alemanha", em bom inglês. Tirei essa foto:



Eu li que a virada de ano é como uma guerra, perigosa e cheia de acidentes. A festa no Brandenburgtor promete, mas a concorrência de espaço me desanimou. A noite é de shows musicais e espetáculo de fogos. É preciso chegar muito cedo pra ficar na área de proteção, onde não se entra com garrafas e a polícia faz seu trabalho. Disseram que fora desse espaço, a coisa fica perigosa. O frio é outro fator fudamental. Neva em Berlin hoje. Vamos numa festa de artistas aqui no bairro mesmo, depois do jantar com Michel e Laurence.
Vi um cartaz na estação do metrô que me chamou a atenção: "Você quer saber como se solta fogos corretamente?" Com apoio principalmente dos bombeiros, da polícia e da AOK – Die Gesundheitskasse, que é o sistema de saúde daqui, trata-se de um concurso de vídeos ou clips musicais que promovam a conscientização dos perigos com os fogos de artifício nessa época do ano. E tem premiação em dinheiro. Vale a pena dar uma olhada no site do Verknallt an silvester. A cada ano, só em Berlin, cerca de 500 pessoas sofrem ferimentos dos mais diversos tipos provocados por fogos de artifício. Vídeos educativos, enfim.


Eu acho Berlin super cinema: topo constantemente com gente que trabalha na indústria cinematográfica. Quase toda semana vejo cenas na ruas de gente fazendo cena, literalmente, com câmeras e microfones forrados de pelúcia. Vale dizer que estou sendo contaminada...

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A Xuxa alemã e o fenômeno da internet em 2009

Eu chamo sarcasticamente o Thomas Gottschalk de Xuxa alemã. Ele é apresentador de televisão e aparece na mídia exaustivamente. Faz propaganda do Haribo, uma balinha antiga, originária daqui, mas com fábricas que se expandiram para outros países. Em cores e formatos diversos, é tipo um gummy que atrai as crianças. Os comerciais são cheios de efeitos fantasiosos, onde o tal Thomas aparece sorridente e feliz. Como a nossa Xuxa,  faz o tipo bom moço, doa quantias milionárias para a caridade - e faz questão de tornar isso público. Ele também atua em filmes, não necessariamente infantis. Natural da Baviera, comprou um castelo por lá mas tem casa nos EUA, assim como a nossa rainha dos baixinhos. Também é louro e deslumbrado, mas, como a Xuxa, é um bom profissional de televisão. Ele apresenta um programa de variedades aos sábados, que tem um conteúdo super família, com muito intretenimento e música, recebe atores, jornalistas e cantores pra um bate papo no sofá. Agora pensei que talvez ele esteja mais pra Hebe do que pra Xuxa. Enfim, isso não é  importante. Mas a grande diferença é que ele é contratado por um canal público de televisão, o que não é o caso nem da Hebe sequer da Xuxa.
Há alguns sábados atrás Gottschalk recebeu a Susan Boyle em seu programa. A dona-de-casa britânica, conforme se refereriu o jornal Berliner Zeitung, cantou em clima de gala. Foi interessante observar o alcance da notícia. Eu vi primeiro a TV do metrô noticiando a gravação do programa. Na véspera o jornal publicou a foto abaixo com uma pequena matéria.


No penúltimo dia de 2009, quero refletir sobre a figura dessa mulher, cria do sistema midiático. Eu soube do episódio, da existência dela, através de amigos e de comunidades virtuais. Aí fui no youtube e vi tudo: o formato do programa que a desvendou (popular no mundo todo, diga-se de passagem); observei a edição que foi feita e o apelo emotivo através da música escolhida. Foi colacada ínicialmente ao ridículo pra depois emocionar o público que aplaudiu de pé. Como uma Fênix, renasceu. Feioza, velha (observei os risos da platéia inglesa...) e desengonçada, mostrou seu brilho musical, a prova da sua capacidade de não ser ridícula e transformou-se em pouco tempo, como que instantaneamente, em celebridade. Li que talvez fará show no Brasil. Ela se transformou em exemplo para muitas mulheres, conquistou um respeito próprio que parecia ter perdido. Mas fundamentalmente, do meu ponto de vista, esse episódio é prova do poder da internet, do alcance que a rede mundial de computadores pode ter. Quando tudo aconteceu eu sequer tinha televisão em casa, mas o rádio me avisou, a internet me instigou, as pessoas e a opinião pública não aceitavam que eu simplesmente ignorasse o caso. Não saber pode ser uma forma de exclusão, enfim. Susan Boyle funcionou em 2009 como um "tubo de ensaio" de uma experiência incrível de projeção midiática. Como mostra a vinda dela à Alemanha: a informação me alcançou, pareceu me perseguir e tornou-se impossível de não ser vista.
E o resultado foi uma apresentação sem graça no programa do Thomas (sim, eu me sentei em frente à TV para ver a mulher do youtube), bem menos emotiva do que foi sua estréia na televisão britânica. Foi rápida e sem conteúdo, como as coisas devem ser na fórmula proferida pelo sistema midíático.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Resistência violenta

Em 2008 fui na festa do primeiro de maio em Kreuzberg. No início foi só curtição, muita música e animação. Mas quando o sol se punha, ouvi do carro de som a mesma mensagem em 4 línguas diferentes: alemão, inglês, francês e espanhol. O recado dado era finalizado com um número de telefone de um advogado, que deveria ser contatado caso houvesse prisão depois do confronto. Sorri assustada pro Frank e pedi pra ir embora. Os carros da polícia estavam desde cedo posicionados nas vias de acesso ao bairro, conhecido como ponto de grupos de esquerda e o primeiro de maio é dia de manifestos. Nesse mesmo dia, em dado momento, fiquei entusiasmada com o número de punks sentados no chão da praça: cabelos coloridos em pé, cuturnos desbotados e garrafas de cerveja na mão. Era uma cena digna de filme. Eu sacava a máquina fotográfica quando Frank me advertiu: "Não faça isso, você vai arrumar confusão!" Entendi o recado e guardei quietinha a câmera na bolsa: códigos de conduta berlinense, enfim.
A partir de então passei a ser mais observadora. No mesmo bairro, Kreuzberg, acompanhamos um amigo que procurava apartamento pra alugar. O prédio visitado era recém-construído na beira do canal num estilo arquitetônico duvidoso, tinha nas paredes externas várias marcas de tinta preta. É assim, também, que os adeptos dos grupos de resistência da esquerda se manifestam.

Mas também há atitudes mais radicais. No último sábado, no mesmo bairro, 6 carros foram incendiados. A fachada da embaixada da Dinamarca amanheceu manchada de tinta, provavelmente um protesto ligado ao encontro de Copenhagem. Eu vi a notícia sobre os carros incendiados na televisão do metrô e ainda procuravam os motivos dos ataques. Entretando, essa atitude é prática comum na cidade, sempre atribuída aos grupos de esquerda. Os números de 2009 indicam que 212 carros foram atacados e incendiados no decorrer do ano. Mas há uma escolha, não são quaisquer veículos incendiados. Há uma propensão para carros da Mercedes Benz, símbolo maior do status alemão. O amigo que visitava o tal prédio à procura de moradia, descartou imediatamente alugar um apartamento ali, depois que viu as marcas de protesto: ele tem um Jaguar, também alvo dos ataques. A maioria dos prédios residenciais de Berlin não possuem garagem, o que obriga os donos de carro a alugarem uma vaga em estacionamentos de shoppings ou na própria rua nos arredores do prédio, o que não dá total segurança. Não há carro sem seguro circulando nas ruas alemãs, é gasto obrigatório dos proprietários.


Ontem vimos duas meninas punks no metrô. E não pude deixar de notar no coturno de uma delas: a garota de cabelo colorido portava uma estrela de 3 pontas, símbolo dos carros da Mercedes pendurada no cadarço da bota esquerda, o que me fez concluir que eu tinha ali uma manifestante explícita. Eu pensei em pedir pra tirar uma foto e até ensaiei mentalmente a frase em alemão. Mas logo lembrei do código de conduta que aprendi no primeiro de maio: no pictures. Não satisfeita, saquei a máquina e fiz esta foto, escondida. Até por isso, não ficou tão visível, mas expressa minha vontade de registrar a cena e, como se pode imaginar, a adrenalina que essa atitude injetou no meu corpo  : )


domingo, 27 de dezembro de 2009

Música anônima no domingo frio

Os domingos no Mauer parque já não são os mesmos, comparados com os do verão: pouca gente, o rapaz da bicicleta-karaoke não aparece na arena, o número de bancas é bem menor e o bar a céu aberto não abre. A chegada do frio certamente é o grande motivo, mas isso não impede que figuras como essa da foto dê o ar da graça. A dona da música e da voz melancólicas aterrisou na entrada do parque com sua bicicleta e uma pequena aparelhagem do som. Cantou gostoso e atraiu os olhares de quem ousou sair de casa com esse frio.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Das Christkind

As crianças alemãs também esperam pelo Papai Noel, que aqui se chama "homem do natal", em tradução literal. Mas existe também a figura da "criança de Cristo" no imaginário infantil. É tradicional também no leste europeu e nos últimos anos tem sofrido forte concorrência com o homem velho de barbas brancas que chega num trenó puxado por renas. Entretanto, os correios daqui, como acontece no Brasil, recebem milhares de cartas nessa época do ano, destinadas ao Christkind e não ao papai Noel. Os pedidos são mais abstratos, menos concretos, mais cristãos. Vi na TV que as crianças pedem coisas como menos fome no mundo, menos catástrofes; algumas pediram a proteção do emprego dos seus pais, mandaram desenhos pedindo paz e mais solidariedade entre as pessoas; outras pediram o fim da crise econômica. Mas têm também os pedidos materiais, claro, como aparelhos eletrônicos e joguinhos de computador. Os correios alemães escalam funcionários para cuidarem disso especialmente nessa época do ano. Eles leêm e levantam dados e isso de forma regionalizada, já que existem vários endereços disponíveis, de acordo com a região em que a criança mora. As crianças são respondidas. Aliás, o Deutschepost estabelece um endereço para o Christkind, que é representado como um anjo loirinho, de cabelos encaracolados, asas douradas e geralmente do sexo feminino. O correio recebe milhares de cartas todos os anos.
Como o papai Noel na noite de Natal, o Christkind é quem leva o presente e, claro, jamais é visto pela criança, o que obriga os pais a criarem boas estratégias de fantasia. O personagem está ligado ao presépio e estava lá no momento em que Jesus nasceu. Quando eu soube da figura da "criança de Cristo", ou seja, do Christkind na cultura alemã, achei tão bonitinho que não poderia deixar de registrar isso aqui.



"Criancinha de Cristo venha em nossa casa"

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

A grande mesa de Natal

A mesa de Natal foi farta e eclética. E eu nutri certa ansiedade, já que fiquei responsável por fazer um quentão de pinga, uma salada de batata com maionese e rabanada. Nos reunimos no apartamento dos vizinhos de baixo: Marie Catarine é suiça e o marido Ian, alemão. Eles têm uma filha de pouco mais de um ano, Tilda, que era a única criança presente. Os pais do Ian também vieram pro jantar. Assim como o irmão, que trouxe a namorada israelense, com mais dois rapazes judeus, estudantes de cinema em Potsdam. O casal francês, Michel e Laurence, que mora no primeiro andar, subiram com a mãe dela, Monique. A vizinha da frente, nascida na Turquia, juntou-se a nós também. Éramos 14 pessoas e 3 culturas religiosas diferentes comemorando o nascimento de Cristo. Não houve troca de presentes e pouca coisa lembrava as circunstâncias de um natal brasileiro, a começar pelo frio. Foi momento de comunhão gastronômica. É tradição alemã comer ganso no Natal, assim como se come peru no Brasil. Foi servido como prato principal, junto com chucrute caseiro de repolho roxo: um privilégio pra mim, pois até então só tinha comido o industrializado.



A conversa foi agradável, mas às vezes tangemos polêmicas. Eu não gosto de religião, mas não posso negar minha herança cristã. Sou partidária do estado laico e me posiciono criticamente em relação às posturas atuais de Israel. Dei esse exemplo aqui e quis saber a opinião deles sobre o tal muro. Polêmica instalada, claro. Um dos rapazes aprendeu árabe na escola primária e disse que muitos dos colegas almejavam se tornar espiões no futuro. A televisão faz propaganda ideológica entre os jovens, passando novelas em que personagens vão felizes para o alistamento militar, que é obrigatório em Israel. Contaram casos interessantes de adolescentes que se recusaram à servir o exército, criando verdadeiras performances na frente dos avaliadores, pra se safar da atividade. Na Alemanha há a opção do serviço civil e o filho do Michael, está em Tóquio por conta disso. No Brasil e em Israel não há opção civil. Na Alemanha e em Israel, ambos os sexos têm que servir. Ester, a namorada judia do irmão do Ian, o anfitrião alemão, trabalhou pro serviço secreto e hoje ri disso. No ano que vem ela vai com um grupo pra Argentina fazer um filme e me perguntou entusiasmada sobre Buenos Aires. Eu disse, acanhada que não conheço nenhum país da América Latina, e ela se chocou com isso: como pode eu já ter estado em Londres, Berlin, Paris, Amsterdã e nunca ter ido à Montevidéu, Lima, Caracas, Santiago, Buenos Aires? Será que a máxima de que o Brasil tem as costas voltadas para a AL procede? Penso que a gente acaba se desinteressando pelo que está mais próximo. E vice-versa. Eu nunca tinha preparado quentão e rabanada: achei as receitas na internet. A bebida brasileira fez sucesso como aperitivo e a rabanda se misturou com doces alemães e turcos. Me surpreendi quando Ester disse que minha salada de batata com maionese era idêntica a da mãe dela. Aí acabamos falando da pobreza da culinária europeia antes do contato com o continente americano. Como a batata, os povos europeus não conheciam o tomate e o milho, por exemplo, e o velho Hans, avô da pequena Tilda, não sabia disso.

A noite seguiu regada a vinho tinto e animada com música. Eu nunca tinha visto Marie Catarine tocando piano, apesar de já ter ouvido melodias pelos corredores do prédio. Depois rolou um pouco de violão e cantoria. Já era mais de meia noite aqui quando liguei pro Brasil. Natal é sinônimo de família, casa cheia e comida farta. Falei nostalgica com meus pais. Em Berlin, eu tinha casa cheia e comida farta. E ainda consegui encontrar uma ligação entre todos ali. Quando eu elogiei o doce delicioso feito com uvas passas, gomos de manderine, uma laranjinha alemã saborosa e grãos cozidos de cevada, a anfitriã disse que o doce tinha sido trazido pela vizinha turca, Pativa, que naquela hora já tinha ido embora. E ainda disse, que foi a cevada o principal alimento dos passageiros da Arca de Nóe. Daí eu encontrei um elo: essa mitologia do velho testamento, é ponto comum das 3 culturas religiosas presentes na minha noite de Natal. Mulçulmanos, judeus e cristãos têm como base religiosa as tradições abraâmicas e todas fazem leituras similares do enredo da arca em que Noé, o único homem justo na terra, foi escolhido junto com seu clã e pares de todos os animais, a se protegerem do dilúvio provocado por Deus. E todos se alimentaram de cevada. Por conta da perversidade da Humanidade, Deus decidiu destruir o mundo, mas poupou esse homem bom e justo da inundação, pedindo que ele construísse a tal arca. Para além da  carga mitológica, eu compartilhei, longe da minha família, um Natal eclético e multicultural. Se as pessoas fazem da religião suas diferenças, eu encontrei no doce de grãos de cevada a carga de humanidade que ligou todos ali. Mas na hora da despedida, além de boa noite, desejei a paz de Cristo...









quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Caminhando na neve

Nunca gostei de usar sapatos de salto alto no dia-a-dia. Me incomoda, pois além de desconfortável, como uma pedestre constante no Rio, tenho que olhar constantemente pros meus passos no chão. Mesmo sem salto, a experiência de andar na rua depois da neve me lembrou minhas caminhadas de salto alto no Rio.
Depois da neve intensa dos últimos dias, choveu em Berlin. E fica tudo uma lama. Tem uma empresa especializada, responsável pelo cuidado da cidade. Pequenos caminhões vão abrindo caminho no chão nevado e lançando pedrinhas nos caminhos, tanto dos pedestres quanto dos carros. Porque fica escorregadio depois que os floquinhos de neve se consolidam no chão. Mas nos três últimos dias a coisa ficou difícil. Caminhar sem preocupação, impossível. A água da chuva fez a neve derreter aos poucos, mas com a baixa temperatura, a água congelou, transformando o chão em gelo escorregadio. Quando a neve é fofa, é tranquilo de andar, mas com a camada de gelo, não se poder querer andar com pressa na rua. Como é chato isso, pois eu tenho o hábito de andar depressa. Ainda que minha bota seja própria pra tal situação, caminhar é ter sempre cautela. Deslizei mais de uma vez e quase caí. Vi pessoas correndo risco, mas nenhum tombo verdadeiramente. Conviver com a neve tem sido difícil, apesar do entusiasmo inicial. Segunda foi o dia mais curto do ano: às quatro da tarde foi preciso acender as luzes dentro de casa. e o inverno apenas começou...



terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Sobre uma refeição

Desde que cheguei em Berlin notei que alguns alimentos eram mais baratos do que no Brasil. Claro que os alemães têm mais variedade e a tendência Bio aqui veio pra ficar. Por exemplo: um litro de leite, da marca mais barata, tanto faz se integral ou desnatado, custa 48 centavos de euro. Existem os frecos que precisam de refrigeração constante e os da categoria Bio, e custam em média 90 centavos. Em real, o leite mais barato aqui é mais barato do que no Brasil, pois quando eu deixei o Rio de Janeiro, um litro estava custando absurdos 2,19...! E depois daquela falcatrua que fizeram colocando produtos quimícos em alguns leites longa vida, eu nunca mais bebi leite sossegada: passei a tomar em pó ou de saquinho.
Os pães também parecem ser mais em conta. Fora que a variedade é imensa. A unidade do pãozinho similar ao nosso francesinho custa de 20 à 30 centavos de euro. Eu compro um com sementes de girassol que me faz um bem danado, por 45 centavos, o pacote de 500 gramas. Os pães naturebas no Brasil ainda são muito caros e eu nunca me dei ao luxo de consumir diariamente, como faço aqui. Nas notas fiscais, há a especificação do valor pago em impostos, sendo dois tipos: uma taxa de 7% é retirada dos produtos básicos da alimentação. Uma outra categoria de produtos, é taxada a 19%. E em cada notinha é explicitado o quanto de imposto a pessoa pagou e por qual categoria cada produto foi taxado. Acho isso tão digno, tão cidadão: a gente sai do supermercado sabendo quanto o governo recebeu da gente por aquela compra.

Bem, só como exemplo, vou validar um menu simples, rápido de preparar e bem gostoso: Pasta com atum.

500 g. de macarrão: 0,39 de euro
300 g. de massa de tomate: 0,35
125 g. de mozzarela fresca: 0,49
250 g. de atum em lata: 0,85

Total: EU 2,08

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Gripe suína...

O tema gera debate. Na Alemanha instituiu-se dois tipos de vacina. Uma para os funcionários do Estado e servidores como bombeiros, médicos, enfermeiras, incluindo os políticos. Outra para o povão. Deu debate na mídia, claro... Imaginei isso no Brasil. Mas soube que lá o ministro da Saúde foi em rede nacional de TV, em alerta!! De longe, achei tudo um exageiro, principalmente depois que vi esse vídeo. E também porque as escolas e universidades públicas suspederam as aulas no Brasil.
Fala-se que aqui os próprios profissionais da saúde dizem que não vão tomar. Mas quem quiser, vai em algum posto de saúde da cidade e se vacina. Os efeitos colaterais existem. Minhas priminhas da Suiça ficaram indispostas. Eu decidi não tomar. Me protejo diariamente com 30 gostinhas de própolis de abelhas brasileiras. Assim que chego em casa lavo as mãos. Dentro do metrô procuro não tocar em nada: vou surfando com o corpo e espero sempre outro ser humano abrir a porta dos vagões antes de entrar ou sair de um. Como é inevitável com esse frio, o nariz e os olhos escorrem, então tenho lencinhos de papel sempre na bolsa. Quando alguém do meu lado tosse ou espirra, eu prendo a respiração, viro a cabeça pro outro lado ou me afasto de fininho. Sou prática. E não quero tomar a vacina. Acho que os que se contaminam que devem ficar em repouso e serem tratados. Não o contrário: obrigar que o cotidiano ou a vida das pessoas tome outro rumo. Penso no Brasil: onde as crianças afastadas das escolas ficaram se não na escola? Pensei em histeria coletiva. Minha mãe me disse que um dia  observou em Maringá que não tinha ninguém na rua. Duas viagens da agência de turismo dela foram canceladas. Eram pro Chile e Argentina: clientes ligavam diariamente desmarcando.
Em Berlin vi até agora apenas duas pessoas com a máscara cirúrgica. Aliás, soube que essas máscaras não dão tanta proteção assim. Mas eu estou em alerta e presto atenção na tempatura. Febre é o sinal!
Deixo essa imagem nostalgica, mostrando o que a temperatura é capaz de fazer com a paisagem...


domingo, 20 de dezembro de 2009

Lateinamerikanischen Weihnachtsabend

A princípio sair de casa num sábado à noite quando a previsão era de menos 13 graus, já era caso de se pensar. Mas eu precisava conhecer o trabalho do Werner. Era uma festa de Natal com uma temática especial: a América Latina. Serviram Cuba Libre, Tequila, mas também vinho e cerveja. As salas estavam todas decoradas com coqueiros artificiais, toalhas de mesa e chapéus mexicanos, papagaios de papel e instrumentos musicais típicos. Noite de festa mas também de filmes. A festa foi na sede da produtora de filmes Studio Mitte e foram exibidos 2 documentários sobre a AL produzidos pela Deutsch Welle e o novíssimo filme do meu amigo recente Werner Schumann, "O coro". Nas paredes da sala principal, os organizadores colocaram fotos em preto e branco de alguns presidentes latino americamos portando gorrinho de papai Noel coloridos.
A Deutsch Welle é um canal de televisão público que não tem sua programação exibida na Alemanha. O sistema de TV daqui é tema frutífero pra outro post. Mas é interessante pontuar aqui esse fato: a existência de um canal cuja programação é transmitida fora do país de origem. Reflete certa preocupação, já que se estabelece um canal exclusivo para produção de conteúdo para exportação. Os documentários foram feitos a partir de viagens realizadas entre a Terra do Fogo e Tijuana e mostram além das paisagens e cultura locais, a presença e a vida de imigrantes alemães nesse itinerário. Muito interessante.


O diretor Werner Schumann é curitibano, tem ascendência alemã e mora muitos anos na Europa, atuando no eixo Londres-Berlin. O filme "O coro" é sensível e profundo. Filmado em preto e branco, provoca reflexão diante da tragédia individual dos personagens. Tem sacadas ótimas e incomoda. Incomoda por conta da nudez e crueza da fragilidade humana. Nas grandes cidades, a dose excessiva de anonimato enclausura os sentimentos. Era Curitiba, mas poderia ser Nova Iorque, Londres, Paris ou Berlin. Meu sábado foi sensível e acolhedor, mesmo com os termômetros marcando 13 graus negativos...



sábado, 19 de dezembro de 2009

Os turcos em Berlin

O processo de imigração turca na Alemanha ocidental é longo. A dona da padaria aqui da rua onde moro é filha de turcos e nasceu em Berlin. Também não usa o Kopftuch, o véu muçulmano na cabeça. A nora dela às vezes vem fazer limpeza aqui: trabalho informal, cobra 10 euros a hora. A maior parte do comércio do bairro é de propriedade de turcos, libaneses ou árabes. Na esquina tem uma loja de vestidos de noivas e mais umas 4 na mesma quadra. É comum aos sábados ouvir as carreatas fazendo buzinaço na rua, com os carros enfeitados: a comunidade é grande e os casamentos perpetuam tradições. Tem um doce de pistache divino na lojinha da esquina. No mercado turco, ao longo do canal em Kreuzberg, ouve-se os gritos das ofertas de frutas e legumes em bom (e incompreensível, pra mim) turco. Viajando, percebi que o fenômeno da imigração de pessoas do Oriente Médio ocorreu na parte ocidental do país. Não vi uma lojinha sequer vendendo Kebap na ilha de Rügen, que era território oriental antes da reunificação; mulheres de Kopftuch muito menos. Aliás, por falar em Kebap, a influência na culinária é fato e não tem coisa mais típica em Berlin do que o Kebap, a não ser o Würstchen com pão ou batata frita, maionese ou um molho especial com curry. Seria a nossa linguiça ou, em sua variação, a salsicha. Digamos que o kebap e o pão com würstchen estão no pário no que diz respeito à Berlin. Na minha terra natal o recheio do kebap ou döner, era chamado de churrasquinho grego: carne de carneiro prensada, que é colocada verticalmente num sistema de cozinhemento que gira. Complicado? Logo tiro uma foto e posto aqui. Por agora quero falar da importância dessa leva migratória pra Berlin. Por esse e outros inumeráveis motivos, a cidade tem essa cara cosmopolita e não é a toa que eles são maioria no bairro cujo nome quer dizer "Nova colônia". E o inusitado também está no fato de que boa parte dos moradores do bairro "Montanha da Cruz" sejam islâmicos. Na rua ou no metrô já observei, por volta das 6 da tarde muitas pessoas com aquela espécie de rosário sussurando algo como um mantra. Na época do Ramadan as padarias e comércio típicos ficam lotados depois das 6 ou 7 da noite, quando o jejum do dia acaba.
Essa foto foi tirada num domingo pelo meu amigo brasileiro Eric Chandoha no Mauer Park. Vimos as mulheres turcas com a mão na massa e depois nos deliciamos, claro...


sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Onde os lagos se congelam

A primeira vez que vi neve foi na Noruega, em 1997, quando participei de um festival de estudantes. Atravessei o país numa viagem de 6 horas, de Oslo até Trondheim. E a sequência de imagens, de paisagens brancas, da terra aparentemente sem vida, me fizeram valorizar o calor dos trópicos. Imaginei o passado distante e sem eletricidade (nem tão passado assim, afinal), e as técnicas e artimanhas que as pessoas tiveram que criar por conta do frio intenso. Com uma visão ufanista e ingênua, questionei: como um país com tanta porção de terra, com um clima tão propício como o Brasil pode ter tanta gente tão pobre? Hoje estou certa: o senso de prevenção necessário sob um clima tão rígido, certamente faz enorme diferença. E talvez justamente por isso o brasileiro tenha certa dose de despreocupação. O frio encolhe o corpo, obriga ao abrigo, enclausua as pessoas. Eu entendi o valor da primavera pros povos da Europa. Entendo Botticelli e sua Primavera  como o reflexo disso na arte: estive em Florença no final do outono e os reflexos do clima nas coisas do cotidiano já aparecia. Mas o inverno berlinense já mostra como as coisas funcionarão nos próximos meses. Nos monitores dos vagões do metrô são vinculadas ações do governo em prol das pessoas que passam frio: uma campanha de ajuda aos desfavorecidos. Morador de rua aqui morre. É difícil ser otimista quando, no mesmo aparelho de televisão, aparece a previsão do tempo para os próximos dias: 11 graus negativos. O número de pessoas usando o metrô aumentou explicitamente, já que pedalar pela cidade, além do perigo de acidentes por conta da neve escorregadia, é humanamente insuportável. Assim como é esperar o ônibus na calçada.
Sempre me revoltei com as imagens de bonecos de neve durante o Natal brasileiro. Enfeitar o pinheiro com chumassos de algodão era inconcebível pra mim. Então em certo ponto é satisfatório estar num lugar onde isso tudo é tão autêntico, legítimo. As praças estão todas enfeitadas. Não há lugar público que não tenha uma árvore de natal montada e cheia de adereços. Há lojas de rua em pontos estratégicos da cidade que vendem Weinachtsbaum, os famosos pinheiros. Os enfeites são chineses, claro. Aliás, isso é assunto pra outro tópico. A novidade da paisagem ainda me anima. Esse é um lago da cidade. Lugar insólito para seres humanos desprovidos de um bom casaco, gorro e cachecol, no mínimo.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Música no trem

É comum durante o trânsito de uma estação a outra no metrô, ser acompanhado de música. Violino, gaita, violão, cocalho, trompete e voz dão aos passageiros um pouco de apreciação sonora. Alguns acoplam na mochila uma caixinha de som que dão o tom da bateria. Uma mulher com sotaque espanhol canta sempre o Bessamemutcho com um homem no violão, mas já a ouvi sozinha com a mochila de som. Os que são provavelmente do leste europeu trazem sempre acordeão ou algo similar, e me lembra música cigana. Depois eles atravessam o vagão com um copinho, quase sempre de papel do "koffe to go", arrecadando as moedas e dizem com sotaque carregado: "Danke schön" ou o "bitte schön!" se recebem algo. E as pessoas dão. Nunca vi algum deles sair do trem sem ganhar algo. Meu amigo músico do Brasil, quando esteve aqui, sorria nostalgico quando via um deles: quase sempre o Erikson doava alguma moedinha. Alguns ficam nas estações, parados. Na Stadtmitte tem um túnel enorme que liga uma linha de metrô a outra e tem uma acústica incrível. Ontem eram duas mulheres, de biotipo oriental ou indígena sul-americana, que cantavam a capela, lindamente. E as vozes ecoavam no corredor gigante dando uma sensação ótima pra quem atravessava. Eu tinha só dois minutos pra chegar do outro lado, conforme indicava a placa eletrônica, caso contrário eu poderia perder o vagão seguinte. Eu passei ligeiro, sorri largo e uma delas me retribuiu: sorriu cantando e olhando pra mim com uma leve enclinada da cabeça. Meses atrás cruzei com uma pianista (estou certa de que ela era pianista) tocando um teclado. A música era de uma erudição comovente e combinava muito com a travessia da ponte que liga as duas linhas na estação de Möckernbrücke. Mas esses músicos somem, reaparecem ou não. Nunca vi cena de proibição, mas não sei se eles são legalizados pelo poder público, enfim. Fato é que fazem uma graninha, mas não sei se vivem de música tocada na rua ou nos espaços públicos. Hoje fotografei esses dois, na foto. A mulher toca um alaúde e o cara, violão. Na mão direita ele acoplou um cocalho que seguia o ritmo dos acordes. Depois da foto, dei 3 moedas e saí.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Eixo Rio-Berlin no Babilônia

Eu conheci o Heinz depois de uma sessão do Cine Cahaça Clube, no Odeon. Ele é alemão e estava no Rio de Janeiro trabalhando em festivais de curta-metragem, através da Interfilm Berlin, distribuidora de filmes. Papeamos depois da exibição e eu fiquei encantada com a história da firma, que nasceu a partir de acupação onde figuras alternativas viviam em comunidade antes da queda do muro de Berlin, na Alemanha oriental. Depois de 1989, o grupo recebeu a proposta do governo, já que era preciso legalizar a situação do imóvel. Mas o responsável da prefeitura tocou primeiro a campainha do vizinho, que rancoroso, bateu a porta na cara. Em seguida, tocou a campainha do Heinz e, como ele mesmo disse, a vida dele mudou depois disso, depois de um simples toque de uma campainha. O prédio já funcionava como lugar de mostra de filmes, mas o apoio institucional foi fundamental no processo de criação da Interfilm Berlin.
Mantive contato com ele desde quando cheguei em Berlin e hoje fui numa mostra de curtas espanhóis no Cine Babilonia, um prédio que fica na rua Rosa Luxemburg e deve ter sido construído nos anos 1940-50, de linhas clássicas, com o clima das salas de cinema do período: grande e arejado. O evento se chama Shorts Attack, acontece sempre às quartas-feiras e antes da exibição dos filmes, as pessoas recebem uma cédula para julgar os curtas e esse processo serve como termômetro da distribuidora. Quando algum diretor está presente, é sugerido um bate papo. Com essa contribuição, a pessoa que dá as notas ganha as entradas do próximo evento de curtas. Como eu gosto desse programinha! E hoje revi o Heinz, que chegou ontem de Xangai e prepara as malas pra em janeiro seguir viagem de novo. Vida agitada que o levou ao Rio um dia, quando nossos caminhos se cruzaram.
Segue o programa de hoje (clicando na imagem, fica possível a leitura :)




terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Quando as árvores dormem

Ainda é outono, apesar da temperatura chegar, nos últimos dias, abaixo de zero. Nessa época Berlin já está mais "limpa", pois quando as árvores perdem as folhas a cidade fica cheia delas nas calçadas: é um espetáculo de cores outonais, do verde, ao amarelo passando pelo vermelho.


Há uma empresa de coleta das folhas. Caminhões de médio porte passam lentamente na beira das calçadas reconhendo a folhagem. Com uma espécie de aspirador enorme, vai sulgando tudo, o que faz um barulho danado. Aliás, como os alemães dependem das máquinas. A minha primeira (e má) impressão, foi quando vi que os postos de combustível são self-service aqui. A pessoa abastece e segue pro caixa pagar. Não gostei disso: a imagem do frentista do posto, cheio de simpatia com a flanela na mão, não existe aqui. Alguém me disse que é o preço da distribuição de renda. Sub-emprego aqui é diferente. O valor da mão-de-obra é altíssimo: conheço um pedreiro que acaba de comprar o próprio imóvel e tem um carro da Mercedes Bens. Ter empregada doméstica é luxo de poucos. Mas essa não é a pauta desse post. Eu falava das folhas coloridas. Pois bem, quando as folhas caem, as árvores dormem e o inverno chega. Árvores sem folhas, com os galhos à mostra, compõem uma paisagem mórbida, instropectiva e bonita, em certo ângulo. Então deixo essa imagem:

 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Passeio escolar

Quase todos os dias vejo grupos de crianças com seus professores no metrô ou nas ruas. Os grupos são pequenos, de 10 ou 15 alunos, mais 2 ou 3 responsáveis. Eles se locomovem com transporte público, recebem a passagem dos responsáveis, aprendem que devem "ticar" o bilhete na máquina e fazem tudo com muito entusiasmo.



Em cada estação, a professora chama a atenção e instiga as crianças a saberem o nome da estação. Como todo estudante na infância, eles brincam, brigam: são alvoroçados, enfim. Um dia acompanhei uma cena: um grupo de 3 amiguinhos brincavam com um catálogo de propaganda de loja de eletro doméstico. Por um desentendimento, um deles começou a rasgar o papel, que em dado momento caiu no chão. Os outros se empolgaram e picar papel virou brincadeira. Eles dividam o banco com uma mulher de meia idade e deviam ter uns 7 ou 8 anos. Ela observava quieta, mas quando viu a arruaça de papel, pediu com paciência que eles pegassem, guardassem e depois colocassem no lixo. Sem nenhuma recusa eles acataram o pedido quando a professora chegou. As duas conversaram amigavelmente e interagiram com as crianças, reforçando o problema do papel picado no chão. Quando o vagão parou na estação de destino dos alunos, elas se despediram com simpatia. Vi uma lição dada em conjunto: uma professora e uma cidadã participando da formação de um cidadão. Acho um aspecto muito importante a saída dos muros escolares desde pequeno. Não posso saber que tipo de passeio, pra onde eles vão, ou coisas assim, mas essas visitas e até certa integração com a cidade, certamente é parte da formação escolar.
Não consigo imaginar a mesma circunstância no Brasil, infelizmente.



domingo, 13 de dezembro de 2009

Domingo no Mauer Park

O lugar tem esse nome porque o muro de Berlin ('mauer' em alemão) cortava as redondezas. Berlin é cheias de mercado de pulgas, mas o do Mauer Park é o maior e acontece aos domingos. Lá é possível encontrar de tudo, de móveis à roupas, de utensílios de cozinha à instrumentos musicais. Também tem produtos novos, mas a maioria das barracas são de quinquilaria. Pechinchar é preciso. E ainda têm os que abrem a tenda no gramado sem terem permissão. Gente que faz a limpa no porão, bota no carro cedinho e segue pro mercado de pulgas pra desencalhar a casa, fazer uma graninha e se divertir.

O público do lugar é o que há de mais seleto no mundo dos alternativos, uma variedade deliciosa de gente e pode-se ouvir as mais diversas línguas, já que o Mauer Park está no circuito turistico da cidade. Têm lanchinhos diversos e no verão um trecho recebe areia e vira uma prainha. Faz-se piquinique no gramado. Gosto do passeio por conta da diversidade que me enche os olhos: cores incríveis de cabelos, modelos exóticos de roupas e o tom da voz dos anônimos. Explico: desde o último verão, um cara chega com sua bicicleta e instala um equipamento de som e computador, aí as pessoas que queiram cantar, podem desfrutar alguns minutos de fama (ou não) cantando no karaokê. A arena fica cheia, lotada e de acordo com a performance, vibra ou vaia. Quem quer se expor tem um prato cheio. Quem quer se divertir ou fazer comprinhas num dia de domingo, também.


sábado, 12 de dezembro de 2009

Schloss Charlottenburg

O castelo de Charlottenburg está para Berlin, assim como o castelo de Versalhes está para Paris. Originalmente do século XVII, barroco, suntuoso, como toda construção típica do período nos estados absolutistas ou controlados pela aristocracia deslumbrada, no caso de algumas cidades italianas. O nome é homenagem à Sophie Charlotte von Hannover, rainha morta em 1705 e homenageada pelo rei viúvo. O teto da sala principal possui uma riqueza que impressiona: arabescos dourados, enormes enchem os olhos. Lembro bem do sentimento que tive quando estive em Versalhes: só assim entendi o sentido da Revolução Francesa, realmente. Com Charlottengurg foi mais ou menos assim também, mas numa proporção um pouco menor. A biblioteca de Friedrich Wilhelm III (ou talvez do seu antecessor na dinastia) possui a coleção completa da Enciclopédia francesa e foi muito legal ver os livros enormes com capa de couro, velhos mas preservados nas estantes envidraçadas, ou melhor, com o melhor cristal da época, certamente. As caixinhas de fumo, ricamente ornadas com diamantes, ouro e outras pedras preciosas, é outro atrativo que mereceu meu olhar minucioso: pequenas caixas, verdadeiras jóias que acompanhavam a realeza suntuosa. Os jardins, como os de Versalhes, são imensos, com estátuas ao longo das alamedas, um lago com cisnes brancos e um pequeno bosque.

O castelo passou por diversas reformas e ampliações. No início do século XVIII seus moradores contavam com um pintor exclusivo, que morou anos na residência prussiana retratando com suas pinceladas a realeza afetada e suas cenas cotidianas. Mas a moradora mais ilustre, ao meu ver, foi a rainha Louise, esposa de Frederico Guilherme III, cujas tropas militares enfrentaram Napoleão Bonaparte. Entre idas e vindas, entre exílios e períodos de paz, Louise foi musa dos escritores românticos e influenciou uma geração de mulheres. Mas isso é conteúdo pra outro post.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Gedenkplatte

Quando se caminha por Berlin à pé, é possível perceber que em diversas partes da cidade, fincadas no chão da calçada, existem pequenas placas quadradas e douradas. Olhando mais de perto, percebe-se dados gravados, informando nome, data e local de nascimento e morte de alguma pessoa. São símbolos de uma história triste, mas que precisa ser lembrada. A comunidade judaica que desenvolveu esse projeto. Em frente às residências, casas ou apartamentos de Berlin onde moraram vítimas do Holocausto, foram afixadas essas plaquetinhas na calçada. Eu não caminho olhando pro chão, mas quando acontece de me deparar com uma plaquinha, eu páro pra ler e elevo o meu pensamento. Eis que aqui perto, há menos de 3 quadras de onde eu moro, residiu a judia, comunista e um pouco brasileira, Olga Benario.

Daí que me lembro bem: ainda no colegial li o livro do Fernando Morais e entrei pra faculdade de História admirada: Olga soube da epopéia da Coluna Prestes lá na URSS. A cena criada pelo autor, inesquecível: durante uma pausa nos treinamentos, no almoço, a moça conversou com os companheiros surpreendida com a marcha que percorria o Brasil. E assim me instiguei: que movimento era esse que causou admiração em alguém lá do outro lado do mundo?! Aí as coisas seguiram um curso que ainda não é possível explicar. Meu primeiro projeto de pesquisa foi sobre a participação feminina na Coluna Prestes. Depois no meu trabalho de mestrado segui o mesmo tema, mas ampliando, e tratei das práticas cotidianas na guerra de movimento, como foi classificada a Coluna Prestes. Em 2000 fiz uma disciplina na UFRJ com a professora Anita Leocádia Prestes, a filha da Olga com o "Cavaleiro da Esperança." Anos depois dei aula na mesma universidade como substituta dessa professora. Agora morando em Berlin, descobri que a mãe dela morou no bairro em que eu moro.
Nesse prédio aqui:


quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

"Frauenparkplatz" (estacionamento de mulheres)

Um dia desses fui no shopping com um amigo que tem carro. Na direção do elevador, observei cerca de 8 vagas de estacionamento reservadas às mulheres. Pensei comigo: "Mas porque vagas especialmente para mulheres??" Tom, sarcástico sempre, disse que era porque ali era mais fácil de estacionar. Claro que olhei torto (ele sabe que eu sou feminista), mas preferi me calar. Fato é que aquelas simples plaquinhas não me 'desceram'.


Na volta, observei que dentro da maioria dos carros tinha cadeirinha de bebê e ficavam bem perto do elevador ou da saída de emergência. Ou seja, é sempre mais cômodo pra quem vai fazer compras no shopping com as crias. Acho que a pulga atrás da minha orelha é por conta dessa ligação direta de mulher com maternidade. E me pergunto: tem como ser diferente? Não, claro que não. Mas aqui em Berlin já observei em mais de uma circunstância nas ruas, pais com seus filhos, sem a companhia das mães, cuidando, dando mamadeira, limpando baba e instruindo. Então, é bem possível que o pai saia com seus filhos de carro pra fazer compras no shopping. E da mesma forma que uma mulher mãe tem a comodidade de estacionar numa vaga mais próxima do elevador, o homem pai também deveria ter. Seria só mesmo uma questão do nome da plaquinha, talvez...
De qualquer forma, percebo que as mulheres alemãs têm privilégios aqui. Por exemplo, nas Stadt Bad, pelo menos na que eu vou em Neukölln, as mulheres têm um dia da semana para fazer sauna só com mulheres, enquanto que para os homens não, a sauna é sempre mista. Aliás, frequenta-se a sauna aqui nu, e esse assunto me remete a um post futuro.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Uma esquina com bom dia

Não é sempre que ele está no posto, mas quando aparece eu fico feliz. No caminho pra escola de língua pelo menos 3 vezes por semana o Herr da música está lá, girando sua manivela e distribuindo bom dias e música em troca de alguma moeda. Eu não sei o nome exato dessa atividade ou do instrumento tocado, mas  sei que é antigo. Trata-se de uma caixa retangular de onde sai uma música, na medida em que uma manivela é girada. O Herr da caixinha de música é como um personagem: usa sempre uma capa azul, chapéu que lembra de maquinista, um óculos demodê e um bigodinho de Hitler. Quando fala bom dia, ele exala alegria. Dá uma leve abaixada na cabeça, como agradecimento quando recebe algum valor dos passantes: sorri, mas não mostra os dentes. É mais um artista de rua em Berlin. Hoje ele tocou "dingobel". Eu sorri dando bom dia...

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

"Viajar sem bilhete custa 40 Euros: Vantagem é um bilhete lícito"

Essa frase está em cartazes na parte interna dos vagões do metrô. O processo é simples: existem máquinas de bilhetes em todas as estações; em algumas, há kiosques, onde também se compra revista, jornal, refrigerantes e doces. Você adquire o bilhete único por EU 2,10 e em outra maquininha, 'tica' o bilhete, ficando especificado o dia, o horário e onde vc 'ticou.' Simplesmente não há catracas...! A primeira impressão do sistema foi inesquecível. Como pode tanta liberdade? Ah não, deve ter malando a beça viajando no negro, como se diz. Depois entendi: a liberdade de comprar ou não o bilhete funciona pela regra da confiança. O risco que se corre em se locomover sem bilhete é bem claro: se o Kontroller abordar o passageiro sem bilhete, ele paga uma multa de 40 euros.


 Foram poucas as vezes que tive que mostrar o bilhete: digamos que em 6 meses, cerca de 10 vezes. Há formas mais cômodas pra facilitar o dia-a-dia: pode-se comprar um bilhete mensal, por EU 72, apesar da empresa ter dado (e divulgado) um desconto de EU 15 no mês de dezembro. Com essa opção, pode-se usar todos os transportes da cidade: metrô, ônibus e bonde, e ainda nos finais de semana pode-se levar um acompanhante e em dezembro, até 3 crianças, de graça. Têm ainda as opções de bilhete diário, semanal e anual, com uso ilimitado. Fato é que observando o movimento, vejo que grande parte das pessoas compram o bilhete e durante às vezes que o Kontroller passou, não vi ninguém tendo problemas. A adrenalina de viajar sem bilhete, não vale a preocupação ou aborrecimento possível. Eu tive que experimentar...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Vida de cachorro

Sempre me impressiono com os cachorros berlinenses. Como os cidadãos, eles têm dignidade. Dignidade exigida dos donos pelo poder público. Os donos podem levá-los dentro do metrô e por isso pagam um tanto mais na passagem. O Dom Juan, um cahorro que eu conheço, tem até chip implantado no pescoço. Atitude de prevenção do dono, não é coisa obrigatória, mas se eles se perderem, uma empresa especializada trata de encontrar o canino. Há uma série de obrigatoriedades que fazem seus donos gastarem uma boa grana pra manter o animal. Nunca me deparei na rua com cachorro perdido, ou dos tipos sem dono que existem no Brasil, sustentados pela gente do bairro, por exemplo. Tem lugar pra eles nas entradas dos supermercados e são aceitos dentro de muitos restaurantes. Um outro cachorro que eu conheço, o Back, sempre é servido com pão ou então com um hamburger cru: já até presenciei ele ganhando carinho de um garçom. Vi em alguns restaurantes a cumbuquinha de água ao lado da entrada, estrategicamente posicionada. No verão, os parques ficam cheios de cães com seus donos, que se flertam depois que seus bichinhos se cheiram...!


Assim, os cachorros podem ser motivo de aproximação humana nas sociedades ocidentais. Sem querer dividir o mundo assim, mas os muçulmanos não têm cachorros. É regra religiosa, não sei. Eu presenciei uma cena inusitada um dia, aqui na esquina de casa, na praça da Rathaus Neukölln: cão sapeca e brincalhão, foi cheirar os pés das meninas de véu na cabeça, que acompanhavam a mãe e vinham na direção oposta. Mesmo na coleira, ele se afastou do dono: a mãe susurrou uma recusa em voz alta e fez cara de nojo. Se foi uma cena de preconceito ou de medo, eu não sei. Mas foi inusitada.
A moça que pede dinheiro na saída do banco da Karlstadt tem um amigo canino. Os punks que bebem durante o dia na esquina aqui perto, têm sempre um ou mais cachorros como companhia. Não possuem um chip igual do Dom Juan, mas certamente foram vacinados quando filhotes.
No mais, as lojas de Petshop nem são muitas, mas em todos os supermercados tem seção dos bichinhos, incluindo coelhos, passarinhos, além dos gatos e cachorros.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Passeando pela diversidade

O convite veio da vizinha francesa que participaria da exposição coletiva. Laurence Grave começou a pintar recentemente, há menos de um ano, e já está na sua quarta mostra. O lugar fica aqui mesmo em Neukölln e é uma fábrica de cerveja desativada, num prédio enorme com uma acústica incrível, mas também por isso muito frio. Eu já sabia que minha amiga brasileira Debora Saraiva ia toca cajón com uma cantora ban-ban-ban do Rio, Mônica Besser. Então fui preparada pra ouvir boa música.
A exposição coletiva contava com artistas do mundo todo, numa mistura no mínimo interessante. Eu gosto de apreciar e geralmente não sou muito crítica. Mas o trabalho da italiana Silvia Maccariello me cativou. Era uma instalação. Ela pintou em pacotes (tipo saquinhos de pão, mas enormes). Em um deles a frase colorida entre coqueiros: "Greetings from Guantanamo!" As figuras humanas me lembraram os desenhos de Keith Haring e em cada um dos pacotes frases em latin, inglês e italiano de um escritor do século XVI. No entanto as idéias sobre pobreza e opressão me soaram atualíssimas. Gosto mesmo quando a arte me provoca assim.

Bebi Beck´s em temperatura ambiente. Falava-se mais inglês do que alemão. Conheci dois novos brasileiros, um cara de Curitiba e uma garota de Campo Grande. A noite rolou solta e descontraída. Mas o melhor ficou pro final: a voz e a poesia de Mônica Besser, simplesmente linda!
Berlin é efervescente culturalmente. Há programas pra todos os gostos e bolsos. O que me impressionou ali foi a diversidade de tipos humanos. Gente jovem, casais de idosos, cadeirantes; homens elegantes e mulheres bem vestidas convivendo com moçada descontraída e despreocupada com o visual; mães com os bebês nos carrinhos e gente até com cachorros! Minha noite fria de sábado foi um verdadeiro passeio pela diversidade... e regado à muita música boa!



sábado, 5 de dezembro de 2009

A noite dos 20 anos da queda do muro de Berlin

O espetáculo e as palavras das autoridades deixaram claro: o capitalismo venceu e o comunismo, segundo tal discurso, é opressão e falta de liberdade. Eu imaginei uma enquete: "Você está feliz com o sistema?" O clima era de Disneylandia, com os fogos, as luzes do Branderburgtor e a música do Bon Jov. Os guarda-chuvas formavam um outro muro e o povo unido gritou: "Fora os guarda-chuvas!" e muitos foram fechados para a alegria da massa. Hilary Clinton mexia a cabeça ao som de Placido Domingos. Angie Merkel estava de preto e radiante. Sarkozy foi levemente vaiado e estava sem a sua Bruni. Berlusconi dormiu e provocou risos. Gordon Brauwn não tem carisma algum. Obama mandou um vídeo e foi aclamado. O público era de turistas, na sua maioria: franceses, ingleses, norte-americanos e muitos brasileiros, como eu: cumprimentei, me apresentei e gritei quando a nossa bandeira cobriu as costas de um cara na garupa de outro a minha frente. O muro de Berlin é o símbolo da diferença entre dois mundos, que pareciam distintos, ideologicamente diferentes. Mas ainda existem outros tantos muros: na fronteira entre os EUA e o México, na faixa de Gaza, entre as Coréias e nas favelas do Rio de Janeiro. Num momento me senti triste: aquela festa não me contentava. Lembrei de um diálogo com os comunistas em Santa Teresa, no Rio: quando disse que estaria em Berlin nos 20 anos da queda do muro, eles revidaram: "Não temos nada pra comemorar..." Eu, sem graça me justifiquei: "Muro pra mim é sempre opressão." Mas eu também não tinha nada pra comemorar. Ficar 6 horas em pé, na chuva, serviu como reflexão. Quando vi a propaganda de carro no telão, conclui: o capitalismo venceu e com a social democracia na Alemanha, é difícil falar em pobreza, pois, ao menos nos moldes de uma brasileira, ela não existe aqui. Mas quando se trata do hemisfério sul, quando se é sul americana, subdesenvolvida, preciso concordar com o vencedor do prêmio Nobel de economia, indiano, idealizador do micro-crédito, que numa metáfora, disse: "A pobreza deveria ser posta num museu!". Ou com o operário polonês, líder do Solidariedade: "Quando se trata de ação, não se pode contar com os políticos." Ao meu lado, abracei um homem emocionado e feliz, por ver seu país, a cidade onde mora, como um lugar que simboliza a liberdade e a paz. Situação jamais imaginada por um alemão de meia idade que cresceu hostilizado pelo mundo todo, por causa de uma história que ele não viveu. Berlin iluminada parecia de alma lavada, fresca e nova. Abraçar esse homem emocionado me fez esquecer de tudo a minha volta, exceto da falsa idéia de que capitalismo é liberdade, como tudo ali tentou me convencer. Preciso conhecer Cuba...